sexta-feira, 10 de julho de 2015




se a gente divisar o ponto a ponto dos últimos dias é possível que não reste nada além do modo como teu queixo se projeta para frente quando você sorri (sentada no quarto em que nunca estive com as mãos cruzadas sobre o colo e uma blusa de lã escrito the roots) ou a longueza incomparável de tuas pernas finas (como os dedos e braços aliás) e infestadas de machucados que aninho como animais recém-nascidos nunca banhados pelo sol.





Não é engraçado e triste que a vida inteira a gente possua apenas um rosto? 
Ele é absolutamente incontornável.
Meta de um herói: escapar do próprio rosto.

terça-feira, 7 de julho de 2015



de repente brotou a noite - de uma mensagem de texto nunca entregue ao destinatário - do silêncio bruto da estação - da ausência de cada pessoa que nunca conheci - do formato estranho do teu nariz - da hora marcada perdida para o sono - do banco em que três anos atrás empilhamos garrafas vazias de cerveja - da noite mal dormida no sofá da casa de amigos de uma amiga (acordando três horas da manhã pra enrolar o cigarro na varanda e tendo que falar com desconhecidos - parando na estrada atrás de cogumelos na manhã seguinte) - nada disso foi bonito - o mundo foi sempre hostil - mas tomo consciência, de alguma forma, de uma mudança drástica - agora tenho medo de falar - faço silêncio e me deixo levar por tuas decisões - difícil precisar até a quem me dirijo - tenho mesmo medo de falar, de sentar, de mover meu corpo - de uma festa a fantasia em que estive entre pessoas populares - dos milhares de fósforos emprestados à menina mais bonita daquele mês de maio - de uma festa junina em que tivemos vergonha de entrar na fila dos brinquedos - da primeira vez em que vi nosso cachorro, dentro da caixinha, com medo de sair - das muitas manhãs abraçados vendo embaçar o vidro do meu quarto - da ansiedade de te esperar, sempre, ao lado do cinema - de que nada disso tenha sido bonito - de que o mundo tenha sido sempre hostil - tenho medo até de falar agora - de me levantar, de dançar, de mover meu corpo - tenho medo de ser um rosto, de te ver apontar os olhos e não ser capaz de um único gesto que expresse o tamanho de minha rendição - porque eu me rendo a todas as fotos, a todos os lugares onde não pude ser, a todos os dias abortados de onde brota sempre, de repente, a noite - esse buraco de quem tenho sempre medo de falar mais e mais e mais e mais e mais tarde terei medo até de ter falado agora.